sexta-feira, 6 de maio de 2011

Supremo reconhece união estável de homossexuais (texto)

Os ministros Ayres Britto, relator das ações sobre união homossexual, e Ricardo Lewandowski durante julgamento no Supremo (Foto: Dida Sampaio / Agência Estado) O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, nesta quinta-feira (5) a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. Na prática, as regras que valem para relações estáveis entre homens e mulheres serão aplicadas aos casais gays. Com a mudança, o Supremo cria um precedente que pode ser seguido pelas outras instâncias da Justiça e pela administração pública.
O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, concluiu a votação pedindo ao Congresso Nacional que regulamente as consequência da decisão do STF por meio de uma lei. “O Poder Legislativo, a partir de hoje, tem que se expor e regulamentar as situações em que a aplicação da decisão da Corte seja justificada. Há, portanto, uma convocação que a decisão da Corte implica em relação ao Poder Legislativo para que assuma essa tarefa para a qual parece que até agora não se sentiu muito propensa a exercer”, afirmou Peluso.

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De acordo com o Censo Demográfico 2010, o país tem mais de 60 mil casais homossexuais, que podem ter assegurados direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, licença médica, inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde, entre outros benefícios.
Em mais de dez horas de sessão, os ministros se revezaram na defesa do direito dos homossexuais à igualdade no tratamento dado pelo estado aos seus relacionamentos afetivos. O julgamento foi iniciado nesta quarta-feira (4) para analisar duas ações sobre o tema propostas pela Procuradoria-Geral da República e pelo governo do estado do Rio de Janeiro.
Em seu voto, o ministro Ayres Britto, relator do caso, foi além dos pedidos feitos nas ações que pretendiam reconhecer a união estável homoafetiva. Baseada nesse voto, a decisão do Supremo sobre o reconhecimento da relação entre pessoas do mesmo sexo pode viabilizar inclusive o casamento civil entre gays, que é direito garantido a casais em união estável.
A diferença é que a união estável acontece sem formalidades, de forma natural, a partir da convivência do casal, e o casamento civil é um contrato jurídico formal estabelecido entre suas pessoas.
A lei, que estabelece normas para as uniões estáveis entre homens e mulheres, destaca entre os direitos e deveres do casal o respeito e a consideração mútuos, além da assistência moral e material recíproca.

Efeitos da decisãoA extensão dos efeitos da união estável aos casais gays, no entanto, não foi delimitada pelo tribunal. Durante o julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski foi o único a fazer uma ressalva, ao afirmar que os direitos da união estável entre homem e mulher não devem ser os mesmos destinados aos homoafetivos. Um exemplo é o casamento civil.
“Entendo que uniões de pessoas do mesmo sexo, que se projetam no tempo e ostentam a marca da publicidade, devem ser reconhecidas pelo direito, pois dos fatos nasce o direito. Creio que se está diante de outra unidade familiar distinta das que caracterizam uniões estáveis heterossexuais”, disse Lewandowski.
“Não temos a capacidade de prever todas as relações concretas que demandam a aplicabilidade da nossa decisão. Vamos deixar isso para o caso a caso, nas instâncias comuns. A nossa decisão vale por si, sem precisar de legislação ou de adendos. Mas isso não é um fechar de portas para o Poder Legislativo, que é livre para dispor sobre tudo isso”, afirmou o relator do caso, ministro Ayres Britto.
Ministros do Supremo durante sessão sobre união entre homossexuais (Foto: Carlos Alberto / Imprensa STF) "Esse julgamento marcará a vida deste país e imprimirá novos rumos à causa da homossexualidade. O julgamento de hoje representa um marco histórico na caminhada da comunidade homossexual. Eu diria um ponto de partida para outras conquistas", afirmou o ministro Celso de Mello.
No primeiro dia de sessão, nove advogados de entidades participaram do julgamento. Sete delas defenderam o reconhecimento da união estável entre gays e outras duas argumentaram contra a legitimação.
A sessão foi retomada, nesta quinta, com o voto do ministro Luiz Fux. Para ele, não há razões que permitam impedir a união entre pessoas do mesmo sexo. Ele argumentou que a união estável foi criada para reconhecer “famílias espontâneas”, independente da necessidade de aprovação por um juiz ou padre.
“Onde há sociedade há o direito. Se a sociedade evolui, o direito evolui. Os homoafetivos vieram aqui pleitear uma equiparação, que fossem reconhecidos à luz da comunhão que tem e acima de tudo porque querem erigir um projeto de vida. A Suprema Corte concederá aos homoafetivos mais que um projeto de vida, um projeto de felicidade”, afirmou Fux.
“Aqueles que fazem a opção pela união homoafetiva não podem ser desigualados da maioria. As escolhas pessoais livres e legítimas são plurais na sociedade e assim terão de ser entendidas como válidas. (...) O direito existe para a vida não é a vida que existe para o direito. Contra todas as formas de preconceitos há a Constituição Federal”, afirmou a ministra Cármen Lúcia.

Preconceito
O repúdio ao preconceito e os argumentos de direito à igualdade, do princípio da dignidade humana e da garantia de liberdade fizeram parte das falas de todos os ministros do STF.
“O reconhecimento hoje pelo tribunal desses direitos responde a grupo de pessoas que durante longo tempo foram humilhadas, cujos direitos foram ignorados, cuja dignidade foi ofendida, cuja identidade foi denegada e cuja liberdade foi oprimida. As sociedades se aperfeiçoam através de inúmeros mecanismos e um deles é a atuação do Poder Judiciário”, disse a ministra Ellen Gracie.
“Estamos aqui diante de uma situação de descompasso em que o Direito não foi capaz de acompanhar as profundas mudanças sociais. Essas uniões sempre existiram e sempre existirão. O que muda é a forma como as sociedades as enxergam e vão enxergar em cada parte do mundo. Houve uma significativa mudança de paradigmas nas últimas duas décadas”, ponderou Joaquim Barbosa.
O ministro Gilmar Mendes ponderou, no entanto, que não caberia, neste momento, delimitar os direitos que seriam consequências de reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo. “As escolhas aqui são de fato dramáticas, difíceis. Me limito a reconhecer a existência dessa união, sem me pronunciar sobre outros desdobramentos”, afirmou.
Para Mendes, não reconhecer o direitos dos casais homossexuais estimula a discriminação. “O limbo jurídico inequivocamente contribui para que haja um quadro de maior discriminação, talvez contribua até mesmo para as práticas violentas de que temos noticia. É dever do estado de proteção e é dever da Corte Constitucional dar essa proteção se, de alguma forma, ela não foi engendrada ou concedida pelo órgão competente”, ponderou.

Duas ações
O plenário do STF concedeu, nesta quinta, pedidos feitos em duas ações propostas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelo governo do estado do Rio de Janeiro.
A primeira, de caráter mais amplo, pediu o reconhecimento dos direitos civis de pessoas do mesmo sexo. Na segunda, o governo do Rio queria que o regime jurídico das uniões estáveis fosse aplicado aos casais homossexuais, para que servidores do governo estadual tivessem assegurados benefícios, como previdência e auxílio saúde.
O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento das ações. Ele se declarou impedido de votar porque, quando era advogado-geral da União, se manifestou publicamente sobre o tema.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Cuitelinho (música)

 
Cheguei na bera do porto
Onde as onda se espaia
As garça dá meia volta
E senta na bera da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia ai


Ai quando eu vim de minha terra
Despedi da parentaia
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaia
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes bataia ai

A tua saudade corta
Como o aço de navaia
O coração fica aflito
Bate uma, a otra faia
E os oio se enche d'água
Que até a vista se atrapaia ai.

Vou pegar o teu retrato
vou botar numa medaia
com um vestidinho branco
e um laço de cambraia
vou pendurar no meu peito
que onde o coração trabaia.

Essa é pra Helô e pra Fátima (Viver é afinar os instrumentos).

Composição : Paulo Vanzolini / Antônio Xandó

Da série Contos mínimos

Ele se sentia culpado por sentir felicidade. Não se sentia merecedor. Era como se ficasse à vontade apenas quando alguma coisa não ia bem.

sábado, 30 de abril de 2011

Da Série Contos Mínimos

Sentia-se como se tivesse trombado com uma manada de elefantes. Pernas, braços, tórax, cabeça: nada fazia sentido. Nada compunha um todo. Um homem aos pedaços.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Para Cris (texto)

Cris, dia desses nos falamos por aqui. O post era sobre música. Eu escrevia sobre as minhas impressões em relação ao mais recente CD da Adriana Calcanhotto. Naquele post eu disse que o CD havia me decepcionado, justamente porque, como gosto muita da Adriana (pareço até íntimo), esperava muito mais de um disco de samba, já que ela é uma compositora especial.
Vc me disse que fazia tempo que não se surpreendia com nada em relação à música. Lembra-se? Pois bem, hoje um aluno me indicou o CD da Mônica Salmaso - Alma Lírica Brasileira (clique aqui para ouvir). Olha, comprei pela net. mas enquanto não chega estou ouvindo pela UOL, sem parar, diga-se.
Ouça e depois me diga o que achou. O selo é Biscoito Fino, raramente produz algum CD/DVD que não seja muito bom. Tomara que, como eu, vc se surpreenda. Além da voz, dos arranjos, dos músicos que a acompanham, a seleção musical é impecável! De Carnavalzinho até Trem das onze, imperdível. A alma é mesmo brasileira da melhor espécie, do mais alto nível.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Pra você guardei o amor (Nando Reis)

Que o Nando Reis é um grande letrista não é novidade para ninguém, pelo menos, pra quem já tenha escutado por exemplo All Star, Por onde andei, Luz dos olhos, Relicário, O segundo sol, Cegos do Castelo e tantas, tantas outras músicas, cantados por ele, ou eternizadas pela voz da Cássia Eller.
Dia desses, um amigo me mandou Pra você guardei o amor, e fiquei ouvindo sem parar, até que a música grudou como se tivesse sido parte da minha trilha sonora.
A letra é demais!! Interpretada por ele e por Ana Cañas, é uma declaração de amor. Confira:

Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir


Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir


Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar


Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar


Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar


Pra você guardei o amor
Que aprendi vem dos meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que o arco-íris
Risca ao levitar


Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar


Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar


Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar


Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir


Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar


Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar


Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Da Série Contos Mínimos

Sabia, porque a gente sempre sabe, que nem tudo depende do desejo. Sabia tb que a responsabilidade não era de outra pessoa. Mas, às vezes, sentia uma vontadezinha de compartilhar. Um mesmo espelho sempre é pouco.

Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me (texto)

Ando nostálgico. Mas sei que a nostalgia talvez seja de algo que nem mesmo tenha existido. É possível que esteja apenas numa memória inventada. Uma saudade boa (e triste) de se ter.
Não é o desejo de voltar ao passado, propriamente dito, mas a vontade de se ter alguma coisa que não tenho, nem sei se tive, mas como não a(o) encontro aqui agora, me iludo com a possibilidade de encontrá-la(o) em outro lugar. Se não está aqui e se não a(o) vislumbro num futuro, só poderia achá-la(o) no passado. 
Não sei exatamente o que me faz sentir assim.
Hoje numa conversa com amigos no almoço, me dei conta de que o mês de abril está no fim e a impressão é a de que não fiz nada. Nem um passo. Primeiro, quando penso no que preciso fazer, depois, quando vejo que nem dei conta do que eu deveria ter feito. Estar longe desses pensamentos já seria bom. Mas, por hora, não dá.
Escrever já ajuda um pouco, enquando aperto as letras do teclado, penso um pouco sobre essa sensação. E pensar é, em parte, organizar para resolver.
Quando estou assim tenho vontade de estar com uma grande amiga do Rio, ela sempre tem alguma coisa para me dizer, para me confortar.
Na vitrola The Smiths dá vida à cena, ouço Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me, e seus primeiros versos Last night I dreamt/ That somebody loved me/ No hope, no harm/ Just another false alarm me chamam a atenção para todos esses últimos anos, talvez eu devesse modificar o pronome para a primeira pessoa, talvez fosse preciso repensar os últimos 11 anos.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Círculos concêntricos das amizades (texto)

A fuga para as cidades, para as grandes cidades, não representa para os homossexuais somente a possibilidade de viver num certo anonimato. Trata-se, segundo Didier Eribon, de um verdadeiro corte na biografia dos indivíduos.
A cidade pequena é o lugar onde é difícil escapar do único espelho disponível, o que nos é apresentado pela vida familiar, pela escola, pelas instituições de uma forma geral. Nas cidades pequenas é muito difícil escapar dos modelos afetivos, culturais, sociais da heterossexualidade.
Quando refiro-me às pequenas cidade, refiro-me tb aos subúrbios em torno das capitais, por exemplo. Eles são uma espécie de cidades miniaturas onde vizinhos, familiares estão sempre de olho nos comportamentos. É muito comum a migração de gays para os grandes centros, partam eles de cidade menores ou de subúrbios que gravitam em torno de capitais.
Por isso é que a sociabilidade gay - ou lésbica - funda-se primeiramente, e antes de tudo, numa prática e numa "política" da amizade.
Estar com outros homossexuais permite ver a si mesmo. Permite partilhar e experimentar a própria existência, como escreveu Henning Bech.
As redes de amigos são uma das instituições mais importantes da vida homossexual. Só nesse quadro é possível desenvolver uma identidade mais concreta e mais positiva de si.
O círculo de amigos está no centro das vidas gays, e o percurso psicológico do homossexual marca uma evolução da solidão para a socialização em e pelos lugares de encontro.
Assim, o modo de vida homossexual está fundado nos círculos concêntricos das amizades ou na tentativa sempre recomeçada de criar tais redes e de estabelecer tais amizades.

terça-feira, 26 de abril de 2011

A interpelação sexual e étnica (texto)

Quando nascemos o mundo já está pronto. A língua está pronta. Os sentidos que as palavras têm ou o peso que elas carregam tb estão dados antes mesmo de nascermos.
Os gays, por exemplo, vivem num mundo de ofensas. A linguagem os cercam. O mundo os insulta. As palavras do mundo político, médico,  jurídico atribuem a cada um deles e a toda coletividade um lugar de inferioridade na ordem social. 
Mas essa linguagem os precedeu: Esse mundo já está dado e se apodera deles antes mesmo de eles se reconhecerem como tal.
Tudo isso quer dizer, em outras palavras, que existimos não porque somos reconhecidos mas porque somos reconhecíveis.
Cada sujeito homossexual tem uma história particular, mas ela não está desvinculada desse coletivo que é constituído pelos outros sujeitos que são assujeitados pelo mesmo processo de inferiorização.  
O homossexual nunca é um indivíduo isolado, até quando se acha sozinho no mundo ou quando, depois de entender que não está, busca separar-se dos outros para escapar, precisamente, à dificuldade de se assumir como pertencente a esse conjunto estigmatizado, embora só a consciência reflexiva e crítica desse pertencimento possa permitir que ele se libere tanto quanto for possível fazer.
O coletivo existe independentemente da consciência que dele podem ter os indivíduos e independentemente da vontade destes.
Assim que entra num bar, assim que paquera num parque ou num lugar de encontros, assim que frequenta os lugares da sociabilidade gay, assim que abre um livro e se reconhece (e por isso mesmo que escolhe ler tal ou tal livro: senão, como explicar que os homossexuais leiam Proust, ou Genet, até quando não leem nunca literatura?), um gay se liga a todos aqueles que cumprem esses mesmos gestos, no presente, mas tb a todos aqueles que, no passado, criaram esses lugares, todos aqueles que os frequentaram antes dele, às tenacidades individuais e coletivas que os impuseram e os mantiveram contra a repressão, aos esforços e às coragens que foi preciso empregar para que existissem numa literatura e uma reflexão homossexuais.
Seja consciente ou não, aceita ou não, a subjetividade de um gay é imposta por um mundo e um passado que ele talvez ignore, mas que funda um pertencimento coletivo que a visibilidade contemporânea só fez manifestar à luz do dia.
Já há linguagem quando chego ao mundo. Já há papeis sociais que são designados por palavras, e principalmente por injúrias.
No caso dos negros não é diferente. Quando se trata da cor da pele, designa um estigma visível. É possível alguém esconder que é homossexual, mas esconder a cor da sua pele...
É possível, entre 10 e 15 anos de idade, alguém não saber que é - ou que será - homossexual, mas aos 10 anos, quem é negro sabe disso e, desde a infância, experimenta todos os dias o que isso significa em sociedade ocidentais, raramente isentas de todo o racismo.
No entanto, essa diferença não é absoluta, porque um jovem negro pode ignorar que é negro antes de ser confrontado com a violência do preconceito racial (em casa por exemplo, longe de experimentar seu ser para o outro).
Um jovem negro, por exemplo, tem todas as chances de viver numa família negra e, portanto, ser apoiado, na medida em que é vítima do racismo, ao passo que um jovem gay tem pouquíssimas chances de viver numa família gay ou lésbica, e o estigma ou a injúria que lhes são enviadas pelo mundo exterior atravessam igualmente o meio no qual vive.
O que engendra nos jovens gays um silêncio, uma prática da dissimulação e talvez produza traços psicológicos muito particulares pelos quais os homossexuais puderam ser definidos na literatura e no cinema (sorrateiros, mentirosos, traidores), que remetem, é claro, à percepção homófoba da homossexualidade, mas tb a certas realidades produzidas pela homofobia e a dissimulação de si que ela implica, e que seria absurdo querer negar. Em todo caso, as infâncias gays e lésbicas são fundamentalmente cheias de segredos, e isso não pode deixar de ter efeitos profundos e duráveis na personalidade deles.

A partir do texto de Didier Eribon - Reflexões sobre a questão gay.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A burca, o cuspe do ator e a morte da travesti em Campina Grande (texto)

O que a proibição do uso de véus em lugares públicos na França, a cusparada do ator Paulo Vilhena no rosto do repórte do CQC, Rafael Cortez, a morte de uma travesti em Capina Grande nos revelam?
Em princípio, todos esses fatos não teriam quaisquer vínculos, mas pensando melhor, eles têm sim uma relação.
Os franceses decretaram Lei proibindo o uso de dois tipos de véus mulçumanos: a burca e o niqab (que mostram apenas os olhos). Os argumentos são vários:  o Estado é laico, as pessoas são livres (ah, como assim?), o véu é uma forma de opressão, esconder o rosto pode significar esconder um terrorrista.
É verdade que as mulçumanas que são obrigadas por seus maridos a esconder os seus rostos estariam livres para mostrá-los. E as que querem usar a burca, as que não abrem mão de se vestirem assim? Obrigar a quem quer que seja se padronizar é um desrespeito, é violar os direitos.
Por detrás dessa lei, penso eu, há uma espécie de xenofobia. Quer usar a burca? Pois bem, volte, então, para o seu país! Ops, como assim seu país? Muitas são francesas.
Além disso, há uma espécie de superioridade racional dos franceses: vejam vocês como somos civilizados e respeitamos nossas mulheres. Se quiserem ficar na França, faça como os franceses.
Cuspir na cara do repórte, como fez o playboy e dublê de ator Paulo Vilhena diante de uma câmera ligada nos sinaliza uma forma de se colocar em um lugar que lhe permite fazer o que bem entende. Quem sou eu para lhe falar assim? Quem é vc para se dirigir a mim desse jeito? Não sabe com quem está falando? Pois bem, cuspir na cara é dizer ao outro quem ele é e como ele deve se comportar. Veja vc, reportezinho, sou um ator Global, me respeite ou...
Tb diante de câmeras, só que agora de trânsito, em Campina Grande, três homens esfaquearam uma travesti de 24 anos. Deram-lhe mais de 30 facadas. A vítima morreu no local.
Um dos assassinos justificou a morte por conta de um desacordo sobre o valor de um programa sexual com o travesti.
A vida da travesti valia para os assassinos o que vale um programa sexual. Para satisfazer os desejos sexuais dos meninos, ou do menino, porque não se sabe ao certo o que aconteceu, a travesti servia, mas ela não era, definitivamente, igual aos rapazes. Sua essência (e travesti tem essência?) era de outra natureza. A relação aí era desigual. Ela tb não sabia com quem estava lidando e nem o que poderia esperar. Quem manda se meter com gente (ops) de outras castas?

Porque a gente acredita, mesmo não acreditando muito, que vc está me protegendo

Faz quinze anos que vc nos deixou! Eu já era um homem. Vivia há um longo tempo longe de vc. Tive a sorte de conviver contigo por 44 anos. Um...