sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Helô (versos)

A tua saudade corta
Como o aço de navaia
O coração fica aflito
Bate uma, a otra faia
E os oio se enche d'água
Que até a vista se atrapaia ai.

(Estrofe de Cuitelinho, composição de Paulo Vanzolini / Antônio Xandó  )

Esperando Godot (Samuel Beckett)

Um grande amigo me fez uma visita nessas férias, no Rio. Apenas um final de semana (talvez nem tenha sido isso) ficamos juntos. Fomos à praia, à noite ao cinema, assistimos A Música Segundo Tom Jobim. Não é sobre o filme, tão pouco sobre a praia e muito menos sobre o meu amigo que vou escrever, ainda que tudo isso se cruze, não por acaso.
Estava no Rio a trabalho, para uma reunião que aconteceria na segunda-feira, posterior ao final de semana. Antes de ir embora, me deixou o livro que tinha acabado de ler É tudo tão simples (crônicas de Danuza Leão) e me presenteou com o livro de Beckett, Esperando Godot.
Eu não conhecia o livro, digo, nunca havia lido, mas conhecia o enredo porque já havia assistido uma montagem. O livro é um texto para teatro, publicado em 1952 (como a internet nos salva!). Dois amigos que estão esperando, como o título afirma, um tal de Godot (que não aparece).
Pra mim, o texto é uma metáfora da espera improdutiva da vida, da felicidade que não vem ao nosso encontro, mas que, amarrados por algum motivo, não nos precipitamos para ela. Sabemos, porque sabemos, que se não fizermos, nada vai acontecer.
Ontem à noite, finalmente, concluí a leitura desse texto e, como sempre, me senti feliz por isso. Além de ser um texto importante (pela forma como Beckett escreve, pela abordagem etc.) é um tema bastante importante para todos nós. Indico.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Tabacaria (poesia)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.

As 10 cidades mais caras do mundo para se hospedar em 2012 (texto)


Uma pesquisa feita pelo site Hotel.info, um serviço de reservas on-line gratuito, que atende mais de 210.000 hotéis no mundo, revelou quais as cidades com as diárias de hóteis mais caras do mundo. Os valores são relativos a novembro de 2011. Seguem os dez mais:
..
1. Nova Iorque (Estados Unidos): 208,96 euros (média de uma diária). 
2. Moscou (Rússia): 183,78 euros. 
3. Oslo (Noruega): 170,89 euros. 
4. Tóquio (Japão): 168,85 euros. 
5. Londres (Inglaterra): 159,83 euros. 
6. Rio de Janeiro (Brasil): 158,78 euros. 
7. Singapura (Singapura): 151,76 euros. 
8. Hong Kong (Hong Kong): 151,09 euros. 
9. Zurique (Suiça): 150,58 euros. 
10. Estocolmo (Suécia): 144,10 euros.
 
Tenho apenas uma questão, já que se trata de uma pesquisa e, em princípio, comparar preços é uma ação bastante objetiva, será que os serviços prestados por essas cidades poderiam ser organizados tb a partir do mesmo ranking?

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Contos Mínimos

Teve a impressão de que não estava lhe fazendo bem. Na verdade, percebeu que estava lhe fazendo mal. Mas não sabia como desfazer.

Contos Mínimos

Eles não sabem que são fortes e perigosos. Quer dizer, até sabem, mas pouco adianta diante da fúria humana. A cada dia, percebem apenas que falta alguém, algum, mas é uma percepção animal. Muito provavelmente esquecida na hora da fome, da sede ou do sono. Estão ameaçados de extinção. Eram encontrados em grande parte da África e na Ásia meridional. Corpo maciço (como uma armadura), cabeça grande, com um ou dois cornos ceratinosos e patas com três dedos cada, todos com cascos.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Revendo amigos (texto)

Quinta-feira, dia 26 de janeiro, fui ao encontro de ex-alunos do Colégio Antônio de Pádua, Campo Grande, Rio de Janeiro. Minha primeira turma de língua portuguesa no ensino médio. Até então eu ministrava aulas de literatura para este nível de ensino (língua portuguesa era privilégio (rs) apenas dos alunos de ensino fundamental, antigo ginásio).
Fazia apenas 20 anos que eu não encontrava essa turma. E eu realmente não sabia o que esperar. Sabia que tinha sido um grande prazer trabalhar naquela escola e com esses alunos. Fui logo ficando íntimo deles e eles de mim. 
Era uma relação aluno-professor, não se pode negar, até porque não dá para ser de outra forma, mas era verdadeiramente prazeroso estar por ali. Eu ainda que novo professor na escola, nos idos de 1992, era muito bem tratado pela direção, coordenação, professores, funcionários e alunos.
Fiz grande amigos nesta turma. Eu tinha bons alunos por perto. Além disso, o que não é pouco, eles eram bem humorados, inteligentes, aplicados. Só repeti essa dose, alguns anos depois na Universidade Estácio de Sá, campus de Vila Valqueire (mas isso fica para outro post).
O encontro foi muito além do que eu esperava. A minha sensação era de um tempo que não havia passado. Era como se tivéssemos acabado de sair de uma aula e nos reuníssemos para uma conversa fiada dessas que alunos e professores fazem sempre que há boas relações. Tudo, sem exceção, foi alegria. Rimos, relembramos os velhos tempos, falamos dos novos tempos, fui emocionante demais. 
Voltei para a minha casa (na carona de um grande amigo e ex-aluno) sem acreditar muito no que acabava de me acontecer. A sensação de que a felicidade está/é próxima e se materializa num abraço, num beijo, num sorriso, na oportunidade de estar ali sentando dividindo uma mesa, jogando conversa fora.
Bom demais poder ter vivido isso.

Não é que eu não goste (texto)

Estou de volta a Cascavel. Não é fácil voltar. Não que eu não goste da cidade. Não é isso mesmo, mas voltar significa, em parte, retornar ao trabalho e a todos os compromissos que dizem respeito a ele: só de imaginar fico angustiado. Tb não significa que eu não goste de trabalhar. Não é isso mesmo (meio repetitiva essa oração), mas voltar ao trabalho significa, em parte, reencontrar os problemas de sempre. Só de imaginar fico com o estômago embrulhado. Não que eu não goste de ficar com o estômago embrulhado. Não mesmo. Mas isso significa, em parte, não estar muito bem fisicamente. Não que eu não goste de não estar muito bem fisicamente. Não é isso mesmo. Mas isso significa, em parte...melhor eu parar com essas gracinhas.
Hoje, comecei a por em ordem a casa. Mais de um mês fora, imaginem a bagunça! Produtos que estragaram na geladeira, poeria por todo lado, sem água para beber, roupa para lavar, despensa vazia, plano de ensino para organizar, reformulação de bibliografia para a disciplina, fora o computador (novíssimo) que desligava aos 5min de uso.
Voltar é isso, é assim. Ainda não estou me sentindo fora das férias, mas amanhã, não tenho opção.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A Arte de Ser feliz (Cecília Meireles)


Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Uma Alegria Para Sempre (Poesia - Mário Quintana)

As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Que importa se –
depois de tudo – tenha "ela" partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura...
A thing of beauty is a joy for ever
disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.

Porque a gente acredita, mesmo não acreditando muito, que vc está me protegendo

Faz quinze anos que vc nos deixou! Eu já era um homem. Vivia há um longo tempo longe de vc. Tive a sorte de conviver contigo por 44 anos. Um...