quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Carnaval sem preconceito - Rio 2012


Os filhos da época (poema)

Somos os filhos da época,
e a época é política.
Todas as coisas - minhas, tuas, nossas,
coisas de cada dia, de cada noite
são coisas políticas.
Queiras ou não queiras, teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um brilho p...olítico.
O que dizes tem ressonância,
o que calas tem peso
de uma forma ou outra - político.
Mesmo caminhando contra o vento
dos passos políticos
sobre solo político.
Poemas apolíticos também são políticos,
e lá em cima a lua já não dá luar.
Ser ou não ser: eis a questão.
Oh, querida, que questão mal parida.
A questão política.
Não precisas nem ser gente
para teres importância política.
Basta ser petróleo, ração,
qualquer derivado, ou até
uma mesa de conferência cuja forma
vem sendo discutida meses a fio.
Enquanto isso, os homens se matam,
os animais são massacrados,
as casas queimadas,
os campos se tornam agrestes
como nas épocas passadas
e menos políticas.

(Poema de Wisława Szymborska, traduzido por Ana Cristina César)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O insustentável preconceito do ser (texto)

Era o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salvador, vinha a convite de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter. Solícitos, os colegas da redação paulistana se empenhavam em promover e indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.

Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:
- Recomendo um passeio pelo nosso "Central Park", disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!
-Então estarei em casa, repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem "farofa" no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar....

De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que , de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.

Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os "Paraíba", que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a "Cabeça chata", outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.

Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.

Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
 
"O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, quero o teu amor".
 
"É ofensivo", diz Miriam. Como a cor de alguém poderia contaminar, como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.

A expressão "pé na cozinha", para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constragimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.
O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:

"Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra 'niger' para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:
'Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe'...que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).

Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan 'black is beautiful'. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém".
Será que na era Obama vão inventar "Pé na Presidência", para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?

A origem social é outro fator que gera comentários tidos como "inofensivos" , mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que o picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:

- A minha "criadagem" não entra pelo elevador social !
E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais ? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, "viado", maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas. Quem se importa com o potencial ofensivo?

Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:
- Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:
-Só podia ser loira!
Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:
- Só podia ser judeu!

A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia ...
Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: "O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem". Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.

A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável. O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque , em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorancia e alimenta o monstro da maldade.

Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcóolatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:
-Só podia ser mendigo!
No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:
-Só podia ser bandido!

Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.

PS: Fui ao Ibirapuera num domingo e encontrei vários conterrâneos.

Rosana Jatobá - jornalista, graduada em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, e mestranda em gestão e tecnologias ambientais da Universidade de São Paulo.

Acredite em sonhos (Vídeo)


Os sons da memória (texto)

Dentre tantos sons que me fazem lembrar a minha infância, a música Madalena, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, gravada por Elis Regina em 1970, é uma delas. Minha mãe cantava sem parar e, por tabela, eu sem saber decerto o que cantava, acompanhava do jeito que eu entendia esta música. Hoje, fiquei em casa ouvindo muitas canções que me fizeram lembrar de amigos, de tempos, de outras canções.
Aí vai música e letra:
Madalena
O meu peito percebeu
Que o mar é uma gota
Comparado ao pranto meu.

Fique certa
Quando o nosso amor desperta
Logo o sol se desespera
E se esconde lá na serra.

Madalena
O que é meu não se divide
Nem tão pouco se admite
Quem do nosso amor duvide.

Até a lua se arrisca num palpite
Que o nosso amor existe
Forte ou fraco alegre ou triste.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

É para lamentar (texto)

É difícil escrever sobre a greve dos policiais na Bahia, por, pelo menos, dois motivos. Primeiro, porque sabemos que a Polícia Militar é fundamental para manter a ordem de um Estado (deixemos de lado quaisquer desordens provocadas pela corporação), ou seja, ela é essencial e por isso a greve de PMs coloca em risco a população de uma forma geral. Segundo, como tb sou funcionário público sei que negociar com o governo nunca é tranquilo, porque as promessas são vazias, há falta de compromisso,os salários são defasados, e, em se tratando da Polícia Militar, a segurança é zero, há risco de vida e nenhum plano de carreira decente.
Ontem no Jornal Nacional (JN), assisti a matéria sobre as gravações de conversas entre os comandos de greve da Bahia: promoção de vandalhismo, acertos com os comandos de outros Estados etc. É claro que não esperamos isso de policiais militares, mas tb não esperamos atitudes como as dos governadores em relação ao tratamento que se dá aos seus funcionários.
Hoje em dia, todas as respostas sobre aumento de salário, plano de carreira etc. vai de encontro à responsabilidade fiscal do Estado, mas a má admistração do dinheiro público, sobretudo, nunca entra na ordem do dia. O Estado arrecada muito dinheiro, todos sabemos, e a distribuição dessa verba está aí para quem quiser ver. Tudo isso nos faz questionar a ilegalidade da greve dos policias.
A matéria do JN colocou, decerto, a população contra a greve dos policias, não a matéria em si, mas a forma de abordagem da matéria: um conluio dos PMs em torno do carnaval de Salvador e do Rio de Janeiro. Interessante como os governadores se preocupam tanto com o carnaval (o dinheiro que gira em torno dele) e tão pouco com a segurança de quem faz a festa.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Banheiro LGBT: ah?, pra quêm mesmo?! (texto)

Um adolescente teimoso insiste em correr todas as tardes ao redor do Maracanã, ainda que os seus pais lhe digam que não é muito seguro aquela localização. Não tendo mais o que fazer por conta de toda insistência do filho, os pais resolvem o problema retirando o Estádio de onde está e o transferindo para o quintal de casa.
É mais ou menos isso o que aconteceu em uma escola estadual, Colégio Estadual Vicente Rijo, no interior do Paraná, em Londrina, para não enfrentar o problema da intolerância sexual, na escola, o diretor resolve criar um banheiro para o público LGBT. Bem mais fácil do que educar, né não?
O assunto dividiu opiniões nesta quarta-feira (8), primeiro dia de aula. O colégio destinou um banheiro que era pouco usado e outro, que até então, era exclusivo dos professores, para os alunos LGBTs.
A medida, segundo o diretor Donizetti Brandino, foi adotada porque alunos reclamaram de constrangimento no sanitário masculino e foi aprovada pelo Conselho Escolar.
Um estudante de 17 anos que não quis se identificar afirmou que aprova a medida. “Meninos ficam olhando com cara feia”, afirmou o jovem. Ele contou que em 2011 uma inspetora do colégio o flagrou dentro do banheiro feminino e o encaminhou para a direção do colégio. O rapaz disse também que foi pedido para que ele usasse o banheiro dos professores para evitar constrangimentos para as meninas.
Na avaliação dos professores e da direção da escola, a medida não é discriminatória e não visa isolar os homossexuais, mesmo assim, afirmam que não pretendem estimular que mais alunos utilizem os banheiros já denominados de alternativos. “O nosso objetivo é a educação. É conscientizar para que essas realidades possam ser trabalhadas de forma que todos tenham direitos”, declarou o diretor Donizetti Brandino.
A opinião, entretanto, não é compartilhada por Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AGLBT). Segundo ele, ainda que tenha sido para beneficiar os homossexuais, a atitude representa uma solução simplista que não se aprofunda na questão do respeito.
Não podemos fazer essa segregação"
Toni Reis, presidente AGLBT
“Nós queremos uma escola inclusiva que respeita a diversidade na biblioteca, na sala de aula e banheiros”, disse o presidente da AGLBT que também é doutor em educação. Toni Reis afirmou ainda que é preciso sensibilizar a comunidade escolar e capacitar os profissionais para que haja o entendimento de respeito a individualidade. “Não podemos fazer essa segregação”.
Flávio Arns, secretário estadual de Educação, disse desconhecer a existência banheiros alternativos para homossexuais nas escolas e vê com cautela a medida. “Consideramos completamente desnecessário. Não é importante, não é necessário. Nós temos, sim, criar na escola um clima de respeito à diversidade”, disse o secretário.
Ainda nesta quarta-feira, a AGLBT vai encaminhar um ofício para a Secretaria Estadual de Educação solicitando uma intervenção na escola londrinense. A ideia, de acordo com Reis, é suspender a medida e evitar que ela seja replicada em outras unidades de ensino. Caso o pedido não seja atendido, a Associação pretende recorrer ao Ministério Público (MP).

Uma aposta que se perde!

A gente aprende a lidar com a ausência quando só há ausência. Se a presença é escassa, se não há reciprocidade, se é preciso implorar a comp...