domingo, 15 de maio de 2011

Domingo merece poesia

Agora o braço não é mais o braço 

erguido num grito de gol.

Agora o braço é uma linha, um traço,
um rastro espelhado e brilhante.
E todas as figuras são assim:
desenhos de luz, agrupamentos de pontos,
de partículas, um quadro de impulsos,
um processamento de sinais.
E assim - dizem - recontam a vida.
Agora retiram de mim a cobertura de carne,
escorrem todo o sangue, afinam os ossos
em fios luminosos e aí estou
pelo salão, pelas casas, pelas cidades,
parecida comigo.
Um rascunho,
uma forma nebulosa feita de luz e sombra
como uma estrela. Agora eu sou uma estrela.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Da Série Contos Mínimos


Dia desses, me mudei para uma cidadezinha muito fria do interior de um estado do sul do meu país. Lá, além desse frio imenso e de uma forte neblina que toma as ruas da cidade, pela manhã avisto, da janela do meu escritório, uma pequena casa de madeira em que uma velha senhora, apesar de todo esse frio e de toda aquela neblina que toma as ruas dessa pequena cidade, sai, a cada manhã, com um balde em punho molhando as plantinhas de um quintal baldio atrás dessa tal casa de madeira. Um cheiro de terra molhada invade a minha lembrança. Meu coração fica do tamanho da cidade, cheio até a boca da saudade que sinto do cheiro de minha terra. Por aqui um cheiro de mato toma conta no fim dos dias de parte de minha casa. Um exílio de aromas que meu olfato não recordava. Lá o cheio é outro: são buzinas, são cores, são pessoas que invadem essa memória olfativa.

Da Série Contos Mínimos


Acordou atordoado. De cara não reconheceu o lugar no qual se encontrava. Pensando bem, nem passados alguns minutos se deu conta de onde estaria. Branco demais. Fechado demais. Muito quente. Sentiu apenas que estava em movimento. Vezinquando sentia-se jogado de um lado para o outro. Passos. Cachorro latindo. E a sensação de estar passando por um funil. Uma voz anunciou: Carteiro! E caiu fundo num ambiente ainda mais fechado. Tudo era silêncio e escuro. Ficou dias a espera de novidades. Nada aconteceu. Conclui que o destinatário não se encontrava mais naquele endereço. Nunca mais se achou.

Da Série Contos Mínimos

Por detrás da cortina os raios de sol anunciavam mais um dia.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Da Série Contos Mínimos

Quando nossos olhos se encontravam eu achava que teria coragem suficiente para me contar. Mas a voz travava na garganta. Desejava que me soubesse nessa contramão. Eu piscava antes.

Da Série Contos Mínimos

A cada beijo em cada abraço. Em toda chegada, durante a espera. Todo o dia era apenas desejo.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

MÃE NÃO TEM FIM

Li esta crônica no blog a Tânia Aires (do Impressões de Leitura) que leu no blog do Fabricio Carpinejar.

Minha mãe não tem igual. Eu não dormia fácil de pequeno, com aquele resmungo de cólica. Minha mãe me carregava no colo, me segurava pela barriga, e não me aquietava. Recusava bico, leite, conforto espiritual. Desdenhava da cama, do móbile, do carrinho, do andador. Aflita, ela pegava o carro e me levava para passear de madrugada. Na terceira quadra, me entregava ao sono. O carro foi meu segundo ventre. Até hoje quando sento no banco de trás, eu fecho docemente as pálpebras. É o único lugar em que fico em silêncio. Não me apresentei: sou o filho preferido de minha mãe. Meus irmãos também acham que são os filhos preferidos. Ela criou todo filho como se fosse único. Para cada um separava uma cantiga de ninar e um segredo. "Não conta para ninguém, tá?", ela me alertou. Como eu não falei para meus irmãos, nem meus irmãos falaram para mim, ninguém sabe qual o segredo que é meu, qual o segredo que é deles. Vários segredos juntos formam um mistério. É um problema quando estamos reunidos. Eu acho que ela cozinhou para mim, os outros também acham. É um problema quando estamos longe. Eu acho que ela só ligou para mim, os outros também acham. Ela reclama imensamente de mim, nunca está satisfeita com o que eu faço. Penso que somente reclama de mim, reclama da família inteira na mesma proporção. Assim como divide um doce de forma igual. Assim como divide o pão em fatias gêmeas. Mãe não tem dedos, tem régua. Reclamar é sua lista de chamada. Reclamar é um jeito disfarçado de sentir saudade. No fundo, torce para que eu me distraia de uma de suas regras. Ela aponta a louça para lavar, e logo limpa a pia. Ela pede uma carona, vou me arrumar, já tomou um táxi. Nunca pede duas vezes. Ou ela é rápida demais ou eu demoro. Na verdade, ela é rápida demais e eu demoro. Mãe é gincana. É agora ou nunca. Nem invente de responder nunca para ela. Sua reclamação tem virtude, sua reclamação é um quarto privativo, reclama só para mim. Para os demais, me torna muito melhor do que sou. Não me elogia para mim porque não quer me estragar. Tem esperança de que não me estraguei. Ela vibra quando encontra algo que não fiz. Inventa necessidades para ser reconhecida. Atrás da mínima palavra, pergunta se eu a amo. Ela escreve isso com os olhos, eu leio isso em seus lábios. O que a mãe mais teme é ser esquecida. Não tem como: mãe é a memória antes da memória. É a nossa primeira amizade com o mundo. O que parece chatice é cuidado. Cuidado excessivo. Cuidado a qualquer momento. Cuidado a qualquer hora, ao atravessar a rua, ao atravessar um namoro. Para o nosso bem, repete conselhos desde a infância. Para o nosso bem. Repetir o amor é aperfeiçoá-lo. Mãe não cansa de nos buscar na escola, mesmo quando não há mais escola. Mãe não cansa de controlar nossa febre, mesmo quando não há febre. Mãe não cansa de nos perdoar, mesmo quando não há pecado. Mãe não cansa de nos esperar da festa, mesmo quando já moramos longe. Mãe se assusta por nada e se encoraja do nada. Entende que o nosso não é um sim, que o nosso sim é talvez. Avisa para pegar o último bolinho, o último bife, em seguida arruma uma marmita para o lanche da tarde. Mãe tem uma coleção de guarda-chuvas prevendo que perderemos o próximo. Está sempre com a linha encilhada na agulha e caixinha de botões a postos. Conserva nosso quarto arrumado como se houvesse uma segunda infância. Mãe passa fome no lugar do filho, passa sede no lugar do filho, passa a vida guardando lugar ao filho. Mãe é assim, um exagero incansável. Adora chorar de felicidade nos observando dormir. Minha mãe chorava quando finalmente descansava no carro. Ela sussurrou o segredo, disse que eu era seu filho favorito. Não fofoquei para meus irmãos, não pretendia machucá-los. Eles também não me contaram que eram os favoritos dela.

É O INÍCIO DE TUDO.

Da Série Contos Mínimos

Aquela cena se repetia sempre em sua memória: ele em pé sozinho na porta do hospital me esperando para contar que ela havia morrido.

Da Série Contos Mínimos

Sentou-se diante da impossibilidade de compreender o problema. Sentar-se era uma forma milenar para cair em si.

Quando a vida pública para na privada (texto)

O ator Fábio Assunção em entrevista a resvista TRIP deste mês deu declarações sobre a impossibilidade de hoje em dia se ter privacidade. Segundo ele, questões que não dizem respeito ao público, tais como, percentual de gordura, separações, doenças, acidentes passam a ser mais importantes do que a arte: 
- Uma coisa é você se colocar dentro da sua obra, se tornando parte dela. Outra é a sua vida ser colocada sobre sua obra, tomando conta dela. Esse limite hoje em dia está mal delineado. Casamentos, separações, doenças, acidentes, declarações, agressões, percentual de gordura, tudo é mais importante do que aquilo que se produz - disse ele, que completou. -  Me refiro ao fato de que hoje nem gordo você pode mais ser livremente.

Não deve mesmo ser agradável se ver estampado em capas de revistas, sendo cunsumido como um produto sem que, nesse consumo, haja quaisquer referências a seu trablho.
Não há limite entre o que possa interessar em relação à vida privada e a pública, porque tudo se vende. Tudo virou produto de consumo. E há as justificativas em torno disso, se fulano de tal expõe publicamente a sua vida privada, por que não noticiar essa exposição?
Além disso, uma parte dos artistas se vende com o propósito de ocupar esses espaços na mídia: a máxima quanto mais se vê mais lembrado parece alimentar esse tipo de mídia.
Sem falar nas assessorias de imprensa que enviam às revistas/jornais notas sobre essas (des)informações porque sobrevivem disso.


- Nossas pálpebras ainda que fechadas não conseguem mais deixar de ver aquilo que não se quer ver. Elas estão perdendo a função de limitar a fronteira do privado. Aliás, o privado está em extinção. Mas os homens não.

Não é raro programas diários comentado a roupa, a ida à praia,  o novo namorado, a traição, a saída à noite, a bofetada, os metros que devem separar determinados ex-casais. Enfim, nem se pode ser feliz ou, principalmente, sofrer em paz. 

sábado, 7 de maio de 2011

Uma alegria para sempre (Mário Quintana)

Um pouco de poesia para um sábado cheio.





As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Que importa se –
depois de tudo – tenha "ela" partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura...
A thing of beauty is a joy for ever
disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.

Uma aposta que se perde!

A gente aprende a lidar com a ausência quando só há ausência. Se a presença é escassa, se não há reciprocidade, se é preciso implorar a comp...