terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Contos Mínimos

Teve a impressão de que não estava lhe fazendo bem. Na verdade, percebeu que estava lhe fazendo mal. Mas não sabia como desfazer.

Contos Mínimos

Eles não sabem que são fortes e perigosos. Quer dizer, até sabem, mas pouco adianta diante da fúria humana. A cada dia, percebem apenas que falta alguém, algum, mas é uma percepção animal. Muito provavelmente esquecida na hora da fome, da sede ou do sono. Estão ameaçados de extinção. Eram encontrados em grande parte da África e na Ásia meridional. Corpo maciço (como uma armadura), cabeça grande, com um ou dois cornos ceratinosos e patas com três dedos cada, todos com cascos.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Revendo amigos (texto)

Quinta-feira, dia 26 de janeiro, fui ao encontro de ex-alunos do Colégio Antônio de Pádua, Campo Grande, Rio de Janeiro. Minha primeira turma de língua portuguesa no ensino médio. Até então eu ministrava aulas de literatura para este nível de ensino (língua portuguesa era privilégio (rs) apenas dos alunos de ensino fundamental, antigo ginásio).
Fazia apenas 20 anos que eu não encontrava essa turma. E eu realmente não sabia o que esperar. Sabia que tinha sido um grande prazer trabalhar naquela escola e com esses alunos. Fui logo ficando íntimo deles e eles de mim. 
Era uma relação aluno-professor, não se pode negar, até porque não dá para ser de outra forma, mas era verdadeiramente prazeroso estar por ali. Eu ainda que novo professor na escola, nos idos de 1992, era muito bem tratado pela direção, coordenação, professores, funcionários e alunos.
Fiz grande amigos nesta turma. Eu tinha bons alunos por perto. Além disso, o que não é pouco, eles eram bem humorados, inteligentes, aplicados. Só repeti essa dose, alguns anos depois na Universidade Estácio de Sá, campus de Vila Valqueire (mas isso fica para outro post).
O encontro foi muito além do que eu esperava. A minha sensação era de um tempo que não havia passado. Era como se tivéssemos acabado de sair de uma aula e nos reuníssemos para uma conversa fiada dessas que alunos e professores fazem sempre que há boas relações. Tudo, sem exceção, foi alegria. Rimos, relembramos os velhos tempos, falamos dos novos tempos, fui emocionante demais. 
Voltei para a minha casa (na carona de um grande amigo e ex-aluno) sem acreditar muito no que acabava de me acontecer. A sensação de que a felicidade está/é próxima e se materializa num abraço, num beijo, num sorriso, na oportunidade de estar ali sentando dividindo uma mesa, jogando conversa fora.
Bom demais poder ter vivido isso.

Não é que eu não goste (texto)

Estou de volta a Cascavel. Não é fácil voltar. Não que eu não goste da cidade. Não é isso mesmo, mas voltar significa, em parte, retornar ao trabalho e a todos os compromissos que dizem respeito a ele: só de imaginar fico angustiado. Tb não significa que eu não goste de trabalhar. Não é isso mesmo (meio repetitiva essa oração), mas voltar ao trabalho significa, em parte, reencontrar os problemas de sempre. Só de imaginar fico com o estômago embrulhado. Não que eu não goste de ficar com o estômago embrulhado. Não mesmo. Mas isso significa, em parte, não estar muito bem fisicamente. Não que eu não goste de não estar muito bem fisicamente. Não é isso mesmo. Mas isso significa, em parte...melhor eu parar com essas gracinhas.
Hoje, comecei a por em ordem a casa. Mais de um mês fora, imaginem a bagunça! Produtos que estragaram na geladeira, poeria por todo lado, sem água para beber, roupa para lavar, despensa vazia, plano de ensino para organizar, reformulação de bibliografia para a disciplina, fora o computador (novíssimo) que desligava aos 5min de uso.
Voltar é isso, é assim. Ainda não estou me sentindo fora das férias, mas amanhã, não tenho opção.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A Arte de Ser feliz (Cecília Meireles)


Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Uma Alegria Para Sempre (Poesia - Mário Quintana)

As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Que importa se –
depois de tudo – tenha "ela" partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura...
A thing of beauty is a joy for ever
disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

3 anos de vida (texto)

Como eu disse, aqui, pelo menos duas vezes, o blog já fazia parte dos meus planos há algum tempo, mas todos os outros compromissos (sobretudo, o trabalho) não permitiam dedicação a qualquer outra atividade (assim eu pensava). Aí, depois de uma viagem a Buenos Aires e a vontade de compartilhar as minhas impressões sobre a cidade com os amigos, que não estavam por perto, resolvi, finalmente, iniciar com as postagens daquelas fotos feitas em terras argentinas.
Assim surgia Do Avesso, meio ao acaso, e como o nome, pra mim, sugeria, correndo contra a ordem natural. Eu imaginava que, ao voltar às atividades na universidade, não teria tempo para escrever com frequência. Mas descobri com o tempo (e 3 anos pra mim é tempo pra burro) que tê-lo muitas vezes, muitas mesmo, me aliviava a tensão de um dia pesado no trabalho (e foram muitos dias tensos).
Hoje, 24 de janeiro de 2012, completo 3 anos no ar. E quero agradecer aos parceiros, amigos, visitantes (hoje conto com mais ou menos 41721 passantes), transeuntes virtuais de 97 países, que por aqui passaram para comentar (concordando ou não com as minhas impressões), para dar uma olhadinha, para ler alguma postagem.
Obrigado.
Alexandre S. Ferrari Soares.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Nara online (texto)

Ontem, descobri um site inteirinho dedicado à grande cantora e musa da Bossa nova, Nara Leão. No site www.naraleao.com.br é possível encontrar TUDO sobre a cantora: sua história, discografia, fotografias, documentos, bibliografia, vídeos, enfim, tudo que possa interessar aos seus fãs.
O mais bacana (não sei se dá para escolher o que há de mais bacana) são as músicas de todos os discos disponibilizadas para audição. Fiquei doido com tanta informação e com a possibilidade de ouvir tantas quantas forem as vezes que eu tiver vontade de fazê-lo. Só não enlouqueci porque poderia perder a novidade.
Os discos vão de 1964 (Nara) até 1989 (My Foolish Heart). Não deu ainda para ouvir tudo, mas já ouvi com atenção E que tudo mais vá para o inferno (1978) e Romance popular (1981), uns dos meus preferidos.
Pra quem gosta de Música Brasileira (assim mesmo com maiúscula) e tb de internet não pode perder a oportunidade. É bom demais! Bacana o desprendimento do filho da cantora que nos presenteou com tanta música.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

GLOBO.COM E BBB (texto)

Sou assinante da Globo.com, meu e-mail pessoal é desse provedor e, por conta disso (e para facilitar a minha vida, é claro) o meu navegador abre no G1. E já que estou na página de um "grande" meio de divulgação de notícias, aproveito para ler alguma coisa que me interessa.
No entanto, para chegar ao que me interessa, sou bombardeado com um excesso de informação sobre a nova edição do BBB. Não tenho nenhum interesse, nenhum mesmo, em relação aos participantes desse programa, não quero saber nada sobre as festas das quais eles participam, não tenho curiosidade alguma em relação às opiniões emitidas por eles, sequer deixo a TV ligada na Globo quando as chamadas do programa invadem a minha casa (não inventaram o controle remoto para outra finalidade).
Acho, sinceramente, que um ícone seria suficiente para quem quer se inteirar das novidades do programa, mas não acho que eu (e quem não quer saber dessa porcaria) deva ser obrigado a dar uma espiadinha nessa bosta.
Alguém poderia argumentar que eu não precisaria ler o que não me interessa. E eu concordaria, mas experimentem abrir a página da GLOBO.COM para ver a quantidade de propagandas do programa e ver tb se é possível não ler alguma coisa, mesmo sem vontade.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Calunga, Jussara Silveira (Música)

Já postei aqui, não faz muito tempo, uma pequena apresentação do CD Ame ou se mande de Jussara Silveira. Hoje, a cantora disponibilizou Calunga (música de Capiba). Não vou escrever nada sobre a música ou sobre a sua interpretação, mas indico que ouçam para, sozinhos, entenderem o porquê dessa postagem.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A relação entre Literatura e Identidade na ficção contemporânea, principalmente nos países de recente passado colonial (texto)

Escritores de sociedades pós-coloniais tiveram em geral uma educação muito mais internacional e cosmopolita, se comparado com sistemas educacionais mais restritos e nacionais. Em Bombaim, eu estudava numa escola jesuíta espanhola. Tínhamos manuais que vinham da Inglaterra e dos EUA. Aprendíamos não somente a geografia da Índia, mas tb da Grã-Betenha, por causa do colonialismo braitânico - embora eu tenha frequentado a escola depois da independência. Estudávamos a América Latina, aprendíamos a literatura de diferentes partes do mundo. Nós sabíamos que os abusos do nacionalismo se referem ao fechamento, a estreitar a janela. Mas as pessoas em sociedades pós-coloniais experimentaram a ampla e aberta janela do mundo, embora fossem muitas vezes os desgraçados da terra. Vc vê o paradoxo? Um dos primeiros líderes políticos dos intocáveis na Índia escreveu um livro sobre a escravidão de sua casta. Ele dedicou a obra aos negros americanos. Era alguém que nunca tinha saído da Índia àquela época, a sua base era uma aldeia do interior. Para ele, a fronteira nacional não possuía a metade da importância, em sua própria língua vernacular, da extensão cosmopolita  do mundo. Por  isso chamo de cosmopolitismo vernacular. A literatura sempre rompeu com os limites nacionais. São muito poucas obras da literatura que seguem uma perspectiva estritamente patriótica. Não nego que existam algumas. Mas as obras mais interessantes, mesmo com perspectiva nacional, têm a ver com contradições e disjunções da nação. As obras literárias que só recitam um credo nacional não têm nenhum interesse. Só interessam a políticos tiranos. Ditadores adoram obras assim.

Homi Bhabha, entrevista concedida ao Jornal O Globo, caderno Prosa e Verso em 14 de janeiro de 2012.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Bebendo água da privada (texto)

Acabei de sair do Facebook, não faz um minuto. Talvez faça mais quando eu, finalmente, concluir este pequeno texto. Foi uma passada bem rapidinha, daquelas para mandar um abraço para quem está fazendo aniversário hoje. Às vezes, fico bem mais por lá. Dessa vez, não.
Entre um abraço e outro, li pequenas frases postadas por amigos ou por amigos de amigos e percebi, mais uma vez, que elas têm muito em comum. 
São informações absurdamente necessárias sobre atividades que estão sendo realizadas (ou foram) por faceparticipantes: estou assistindo TV. Fui ao mercado. Estou dormindo. Estou com sono. Vou almoçar. Minha TV estragou. Estou jogando. Dor de barriga. Penteando os cabelos. Lavando roupa. Limpando a casa. Minha bolsa estourou. Prendi meu pinto no fecho éclair. Dor de dente. Minhá avó tá maluca. Quero vê-la sorrir. Quero vê-la cantar. Me depilando. Hoje é domingo. Acordei tarde. Batendo um bolo.

Da séria: Contos mínimos

A conversa era narcísica. Ele me dizia o que eu queria ouvir porque amava ser amado. Havia um time de futebol apaixonado por ele e havia goz...