domingo, 23 de janeiro de 2011

Da Série Contos Mínimos

Vagou durante dias de biquini pelas ruas do centro da cidade: Avenida Mén de Sá, Largo da Carioca, Praça da República, Central do Brasil. 
Percebia-se, a primeira vista, que era uma jovem senhora de fina o trato, nos seus 50 anos, pelas intervenções no corpo: silicone, plásticas, botox, peeling. Um corpo balzaquiano. No entanto, notava-se também que havia muita confusão mental. Supúnhamos, diante de todo esse quadro, que se tratava de uma velha senhora num corpo que há muito não mais lhe pertencia.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Da Série Contos Mínimos

A motivação tinha sido uma frase lida no dia anteior. Nem mesmo a urgência de sanidade foi suficiente para mantê-lo centrado. Porcos voando em rasante sobre sua cabeça. Moscas irônicas puxavam conversa. A avó morta preparava o café. Ele acreditava em um possível equilíbrio.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Da Série Contos Mínimos

Seus mortos chegaram para uma visita: avós, mãe e tios. Nada lhe disseram. Apenas observavam diante de uma grande mesa. Ele sabia (porque sabia) do pouco tempo  que restava.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Da Série Contos Mínimos

Apenas uma das duas cadeiras era ocupada na antiga varanda da casa. Tudo ou quase tudo era recordação: o relógio marcava sempre a mesma hora, o calendário a mesma data (poderia ser diferente?), no entanto, o mais evidente era a impressão do tempo vazando.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Da Série Contos Mínimos

Se por um lado o dia do seu aniversário era comemorável, por outro, pouco se importava com a data. Às vezes não se dava conta de mais um ano de vida ou não entendia muito bem como se contava esse pequeno espaço de tempo. Sabia apenas que estava mais velho e que no final de todas as contas trabalharia até às 19h.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

É aí que mora o perigo (texto)

Ontem, enquanto eu estava de carona com uma grande amiga/irmã (de uma feijoada na casa dos pais de um outro amigo/irmão), ela me perguntou sobre o meu trabalho na universidade. Falei um pouco sobre a Análise de Discuso (AD), sobre os trabalhos sobre mídia, sexualidade, gênero e etnia que ando pensando e desenvolvendo nesses últimos 9 anos.
Não era uma conversa acadêmica, mas uma apresentação rápida sobre o que me interessa na academia. No entanto, é aí que mora o perigo, não me senti confortável enquanto falava disso, foi me dando uma aflição enorme só de pensar que dia 03 de fevereiro estarei outra vez me apresentando no trabalho.
Fiquei pensando nas reuniões, nas pesquisas, no vestibular, nos concursos que organizamos durante o ano, nos eventos que terei que participar apresentando resultados de pesquisa, num livro que insiste não sair, nas orientações, nos novos alunos do mestrado e graduação, enfim.
Acho que ainda não estou com saudades do trabalho. Normalmente final de janeiro, tudo bem que ainda temos uns quinze dias pela frente (e espero de verdade que a minha impressão mude), já estou com vontade de dar aula.
Estranho mesmo me sentir daquele jeito. Quase sempre me sinto bem ao falar do meu trabalho, sobretudo de pesquisa e da AD francesa...vai ver que ando mais esgotado do que eu imaginava.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Da Série Contos Mínimos

Ano após ano as chuvas castigavam parte do Estado. A elas eram atribuídas todas as mazelas: pobreza, moradia precária, baixo índice de escolaridade, falta de mão de obra especializada, aumento do corte de cabelo. As chuvas ocuparam os ministérios.

Da Série Contos Mínimos

Não existia nada: casa, rua, bairro, uma cidade inteira. Sua vida revirada na vida dos outros. Bastavam dois metros para se encontrar espalhado por todos os cantos.

Da Série Contos Mínimos

Eram perdas para todos os lados: casa, amigos, todas as suas coisas. No meio dos escombros uma Esperança agonizava.

Da Série Contos Mínimos

Pensava na inutilidade de sua vida: trabalho, vizinhos, amigos. Só se salvava disso tudo porque lia poesia.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Foto Oficial (texto)

A foto oficial da presidenta Dilma Rousseff, de autoria do fotógrafo da Presidência da República, Roberto Stuckert Filho, foi apresentada nesta sexta-feira (14) no Palácio Planalto.
Vestida com um blaser de cor "off white" e usando batom cereja, sombra clara e brincos de pérolas, Dilma foi fotografada no último domingo (9), no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência.

Dilma ainda se mudará para o Alvorada, de onde nesta semana saíram os últimos caminhões com pertences do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao fundo, a foto oficial mostra os arcos do palácio.

A imagem foi feita pelo fotógrafo oficial da Presidência que passou cerca de uma semana estudando a luz e o cenário ideais.

Segundo o Planalto, o cabelereiro Celso Kamura, que mora em São Paulo, foi a Brasília especialmente para preparar o cabelo da presidente para a foto oficial.

A sessão de fotos durou uma hora e meia, e a própria presidente escolheu a imagem final, que será afixada em prédios e salas da administração federal.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Guinada na Educação - Marco Lucchesi

Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff afirmou categoricamente que "só existirá ensino de qualidade se o professor e a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da educação, com formação continuada, remuneração adequada e sólido compromisso com a educação das crianças e jovens".
Independentemente do que venha a realizar o governo Dilma, não é mau saber que a representante máxima da nação considere o professor em seu devido lugar, na qualidade de protagonista das mudanças que se esperam na educação, quinze dias depois do resultado inquietante do Pisa (programa internacional da avaliação de alunos), no qual o Brasil aparece em 53º lugar no ranking de 65 países.
Espera-se um pacto nacional em torno da educação. E que se traduza com a presença afirmativa das diversas esferas de governo voltadas ao aporte de recursos, ao redesenho de um piso salarial digno, dentro de um plano de carreira consistente. Aqui termina a tarefa do estado e começa a esfera não tutelável de programas e conteúdos, processos de capacitação e aperfeiçoamento dos educadores.
O essencial é que o magistério não seja terceirizado pela miopia tecnocrática. Se antes o professor foi quase refém da política local, hoje tende a ser visto pelos gestores como um apêndice da administração, braço vagaroso das secretarias, reserva técnica, lotado na área de recursos humanos, para bem distingui-lo dos recursos de data-show, navegação on-line e do fascínio de outras mídias, reverenciadas em si mesmas como se fossem o Messias da nova formação.
Trata-se de velha postura, ingênua e arrogante, dos que apostam exclusivamente nos meios técnicos, como se nas infovias tudo corresse melhor, produzindo estímulos contra a monotonia das aulas, diante de um mundo novo, hipertextual, cheio de atrações, de que a escola conseguiria, quando muito, traduzir sua imagem vivaz apenas em preto e branco. E sem legendas. O professor seria o relojoeiro do processo, última parte de uma engrenagem emperrada.
De acordo com esse modelo, o gestor iluminado é a causa eficaz da otimização do ensino, cabendo aos professores o papel de estação repetidora - o conteúdo poroso, em segundo plano. A aula seria regida por um maestro de dinâmica de grupo, um simples condutor de pautas irrealizáveis. Nesse quadro deplorável, a ética deverá abrir espaço para uma práxis, de rasa superfície, do politicamente correto, cada qual assumindo o vocabulário medíocre, o jargão da boa etiqueta ideológica e burocrática.
E, contudo, os livros de Anísio Teixeira e Paulo Freire - que não perderam a centelha da urgência com que foram escritos - insistem na delicadeza do diálogo e na cumplicidade intelectual e afetiva das partes integrantes da escola. Se quisermos avançar no debate, será preciso voltar àquelas páginas inaugurais, onde tudo repousa na abertura para o outro.
Quando secretarias e ministérios passarem da escola "objeto da tecnocracia" para a escola "agente de mudança", os políticos terão de ouvir forçosamente os professores, retomando um diálogo interrompido há décadas, vilipendiado, no mau uso dos recursos públicos, na propaganda lastimável, na constituição de metas que arrasaram a formação e a estima dos professores. Há de se buscar uma educação responsável, como prática da invenção e da liberdade.
Esperamos do Brasil uma guinada nesse processo e que os professores apareçam como protagonistas, segundo o discurso pronunciado no Congresso Nacional. Mas é importante lembrar que o professor não aparece como ungido, profeta da transformação, depositário exclusivo de esperança. O professor responderá como trâmite do diálogo, meio sensível da alteridade. Fundamento da democracia, veículo de promoção dos sonhos e projetos das crianças e dos jovens.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Como se fosse a primeira vez (texto)

Faz exatamente um ano que postei aqui no blogue este texto do Veríssimo: Como se fosse a primeira vez. Ontem fiquei mais uma vez horrorizado com as imagens das chuvas em São Paulo e mais incrédulo ainda com as declarações dos responsáveis pelo Estado e Cidade.
A impressão que tenho é que estão, governo e prefeitura, esperando apenas uma desgraça maior acontecer (13 vítimas deve ser pouco) para que medidas sejam tomadas. Não para que não chova, mas para que que essas águas que caem não matem mais. Vamos ao texto:
Chove desde que o mundo é mundo, mas a chuva sempre nos pega desprevenidos. Não falo na chuva catastrófica como a que tem nos flagelado, mas na chuva comum. Na chuva que deveria fazer parte das expectativas normais de qualquer um que não vive num deserto. Que não deveria exigir qualquer alteração no seu cotidiano fora a necessidade de usar guarda-chuvas e o cuidado de evitar goteiras e poças. E, no entanto, todas as vezes que chove nossas vidas são transtornadas como se fosse a primeira vez. Meu Deus, o que é isso? Água caindo do céu?! Com chuva todo o mundo se confunde, como se não houvesse precedentes. Com chuva o caos do trânsito vira um pavor, embora só seja o caos de sempre com água em cima.
O descaso que causa as tragédias quando a chuva é catastrófica é um corolário dessa surpresa sempre repetida. A imprevidência dos que constroem em áreas de risco ou a negligência dos que permitem a construção em áreas de risco vem da mesma recusa de ver o óbvio. A chuva é uma obviedade, não é uma novidade. A chuva anômala, catastrófica, também, pois temos uma longa história de tragédias como as destes dias. Mas a reação é sempre de incredulidade, nunca se reconhece o óbvio.
O problema do Brasil não é que as coisas não tenham precedentes. Há precedentes para tudo que nos aflige. O problema é que os precedentes não nos ensinam nada. Assim continuaremos reclamando que os esgotos pluviais não dão conta das grandes chuvaradas e precisam ser refeitos, até a inundação regredir e não se falar mais nisso. Continuaremos protestando contra construções em áreas perigosas até os deslizamentos pararem e o tempo melhorar, e esquecermos. E cada tragédia, como cada dia de chuva, será sempre como se fosse a primeira vez.

REPARAÇÃO
Alguém com tempo e curiosidade suficientes poderia calcular de quanto seria o montante se cada família de vítimas da imprevidência e da negligência dos governos – do esgoto não refeito, da encosta não adequadamente escorada, da estrada não duplicada ou não construída – responsabilizasse judicialmente Estados e União e exigisse reparação. Não precisaria nem ser as vítimas de todos os tempos, só de um ano bastaria. O custo seria maior do que o necessário para fazer as obras.
(Luis Fernando Veríssimo)

(Foto: Cristina Helga Potter/VC no G1).

Porque a gente acredita, mesmo não acreditando muito, que vc está me protegendo

Faz quinze anos que vc nos deixou! Eu já era um homem. Vivia há um longo tempo longe de vc. Tive a sorte de conviver contigo por 44 anos. Um...